quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
A CONFIANÇA
Do ponto de vista de sua expressão ética, a confiança é o terreno
moral que, partindo de nossa intimidade, se estende até circundar o
que forma o conjunto de nosso ser. Assim, o espírito, a alma, a mente
e o corpo se acham penetrados dessa essência moral que constitui, em
resumo, o fundo característico de toda individualidade.
Temperando o ânimo na experiência e aquilatando os valores da inteligência
em inequívocas atuações, consegue-se a confiança em si
mesmo. Deve-se perceber com rigorosa nitidez a própria maneira de
ser e adequar o conhecimento às exigências do esforço. Em poucas
palavras: deve-se alcançar em grau máximo a certeza de se sentir capaz
em relação ao que se pode fazer.
A confiança em si mesmo tem de significar a prova de uma justa avaliação;
o culto às condições e à capacidade, sem cair na egolatria nociva.
A confiança que inspira a amizade sincera, similar à da família, fundamenta-
se na reciprocidade do afeto e do conhecimento pessoal.
Desde o simples conhecido até o amigo verdadeiro, existe uma escala
de graus no vínculo que os aproxima, vínculo suscetível de alterar-se
por qualquer motivo, enquanto não se manifeste o apreço e a consideração
como uma afirmação do conceito mútuo. A confiança é, então,
produto da garantia moral que cada um se outorgue.
O ruim é quando se desvirtua ou se desnaturaliza o conteúdo nobre
e sadio de tudo quanto a palavra confiança encerra. Daí surgem abusos
que tanto afetam o decoro e a integridade humana, além dos prejuízos
que costumam ocasionar por rigorosa consequência.
É muito comum observar a quantidade de pessoas que, sem consideração
alguma, tomam uma confiança que muito longe estava de lhes
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ser concedida. Não deixa de ser este um curioso aspecto da psicologia
humana. Nos seres de escassa cultura ou instrução, geralmente se percebe
essa tendência, provocando, em muitas circunstâncias, incidentes
desagradáveis. Também encontramos casos em que se comete um
abuso de confiança porque se deu oportunidade para isso.
O mesmo costuma acontecer entre duas pessoas de posições diferentes,
quando o superior, em determinadas ocasiões e num gesto de camaradagem,
permite uma maior intimidade, confundindo sua hierarquia com a do
subordinado, e o faz de boa-fé, o que não dá a este o direito de fazer uso
dessa confiança eventual que lhe foi concedida. Para o inferior, o de maior
hierarquia deve ser sempre tido como tal; o respeito e a consideração deverão
permanecer fiéis nele, se não quiser que o superior retire a confiança que
lhe havia dispensado, pois é bem sabido que o fato de tomá-la implica invadir
a autoridade daquele de quem ela depende, provocando a consequente
reação. Ao contrário disso, quando o subordinado se comporta corretamente,
sabendo guardar distância e mantendo firme o conceito que seu superior
deve merecer dele, é logo recompensado na amplitude das atribuições que
lhe são dadas e no aumento da confiança que lhe é dispensada.
Temos outro caso: o de quem costuma dar confiança com aparente amplitude
para obter, em retribuição, a de seu próximo. Por trás de semelhante
prodigalidade costumam esconder-se terríveis intenções, e os que aceitam
tal temperamento, admitindo uma confiança que é alheia à idiossincrasia de
quem a prodigaliza, correm o perigo de ser surpreendidos com exigências
que nem sempre é possível atender. Mais ainda, às vezes acontece que,
ingenuamente, caem nas armadilhas de situações embaraçosas, das quais
com muita dificuldade e não poucos desgostos conseguem escapar.
É indubitável que a variedade de aspectos que surgem, ao se aprofundar
este estudo sobre a confiança em suas formas éticas, é sumamente
interessante. Assim o vemos quando aparece, por exemplo, nos lábios
do brincalhão que, excedendo-se no tom e sem o cuidado de observar
os efeitos que produz no ânimo de seus semelhantes, vê que pouco a
pouco passa a ser recebido com prevenção no seio de suas amizades,
quando não é excluído por completo. Essa classe de brincalhões fere a
sensibilidade e incomoda o pudor comum.
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