A EVOLUÇÃO: PROPÓSITO E PROCESSO DA CRIAÇÃO
Considerando que Deus seja atemporal, que diferença faria criar o universo em seis dias literais, em treze bilhões de anos, ou mesmo, instantaneamente? Nenhuma! Todas as coisas estão diante d’Ele concomitantemente. Nele, passado, presente e futuro coexistem. Sua Onipresença se aplica tanto ao espaço, quanto ao tempo. Isto é, Ele está em todos os lugares e em todos os tempos. Portanto, para Ele, a criação ocorre em um instante, e, ao mesmo tempo, está acontecendo agora mesmo. Porém, para nós que vivemos presos ao tempo e ao espaço, importa saber quando ela teria ocorrido, e será a ciência que nos responderá. A fé se encarrega de responder a outras questões igualmente importantes, como “porquê” e “para quê”. Já a ciência se propõe a responder o “quando” e “como”. E de acordo com evidências científicas, o universo teria em torno de 13.8 bilhões de anos. Pergunto: Em que isso diminuiria a glória de Deus? Em absolutamente nada.
Precisamos entender de uma vez por todas que Deus é Deus de propósito e de processo.
Ele poderia ter arrebatado o povo hebreu do Egito, transportando-o para a Terra Prometida num piscar de olhos. Em vez disso, guiou-o pelo deserto por quarenta longos anos.
A divindade não percebe o tempo como nós, não o vê passar.
Muito tempo antes de Einstein, a relatividade do tempo foi apontada por um pescador iletrado que veio a se tornar apóstolo de Cristo. De acordo com Pedro, não devemos ignorar que “um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia” (2 Pedro 3:8).
O que seriam alguns bilhões de anos para quem transcende o tempo e o espaço?
O poema da criação encontrado nos primeiros capítulos de Gênesis demonstra que Deus optou pelo processo. Ali se fala em seis dias que não devem ser entendidos como literais, mas como um sinal de que, mesmo tendo poder de fazer tudo instantaneamente, Ele optou pelo processo.
No primeiro verso temos a impressão de que tudo foi instantâneo. “No princípio criou Deus os céus e a terra.” De repente, boom! Do nada, tudo veio à tona. Mas a partir do verso seguinte, verificamos que foi deflagrado um processo que culminaria com a emergência da consciência humana.
Interessante notar que, apesar de não se propor a ser um relato de cunho científico, o poema da criação apresenta pontos convergentes com a ciência. Um exemplo disso é que nele a vida surge da água (Gênesis 1:20), o que nos remete ao que a ciência denomina ‘sopa primordial’, que seria uma mistura de compostos orgânicos que teriam dado origem à vida na Terra.
Sim, há evidências científicas incontestes de que todo o universo, sobretudo os seres vivos, estão em um processo evolutivo. Alguns costumam desdenhar da evolução por se tratar apenas de uma teoria. Quem assim o faz, demonstra não entender absolutamente nada do que seja uma teoria científica.
A maneira como os cientistas usam a palavra 'teoria' é diferente de como é comumente usada pelo senso comum. A maioria das pessoas usa a palavra 'teoria' para significar uma ideia ou palpite que alguém tem, mas na ciência a palavra 'teoria' se refere ao conjunto de conhecimentos que procura explicar, com alto grau de exatidão, fenômenos abrangentes da natureza. Ou ainda: Teoria científica é uma explicação de um aspecto do mundo natural e do universo que foi repetidamente testado e verificado de acordo com o método científico, usando protocolos de observação, medida e avaliação dos resultados. Sempre que possível, as teorias são testadas sob condições controladas em um experimento. Um exemplo de teoria científica é a Teoria da Evolução, que explica como espécies se transformam ao longo do tempo.
Muito antes que Darwin propusesse que todos os seres vivos teriam um ancestral comum e que estariam submetidos a uma evolução baseada na seleção natural, o escritor de Eclesiastes afirma que homens e animais têm o mesmo fôlego, e que ambos “foram feitos do pó, e ao pó voltarão” (Eclesiastes 3:19-2). Ele chega a dizer que não haveria qualquer vantagem entre homens e animais. No final das contas, “todos são vaidade”, isto é, estão submetidos aos processos naturais.
Portanto, todos os seres vivos, tanto humanos quanto os demais animais, possuem um ancestral comum que os antigos hebreus chamavam de “pó da terra” e que a ciência chama de material orgânico pré-existente.
O sentido de evolução como processo biológico de transformação só surgiu no século XIX. Etimologicamente, o vocábulo ‘evolução’ tem origem no latim ‘evolutio’, que significa o desdobramento de alguma coisa. O termo era usado antigamente com relação ao desenrolar de pergaminhos.
Quem teria dado o start no processo evolutivo que engloba toda a criação? Quem apertou o botão? Quem rompeu os selos para que o pergaminho evolutivo fosse desenrolado?
De acordo com a visão de João relatada no livro mais enigmático da Bíblia, havia um pergaminho escrito por dentro e por fora diante do trono de Deus, porém, não havia quem pudesse romper os seus lacres para desenrola-lo. Este misterioso livro continha o propósito divino para a toda a criação, bem como o processo pelo qual este propósito seria alcançado. Estar escrito por dentro diz respeito ao propósito, e estar escrito por fora diz respeito ao processo.
Há uma seta guiando o processo evolutivo. Nada é fruto do acaso.
O aparente caos ao qual o universo parece ter sido entregue encerra o maior de todos os mistérios. No poema da criação lemos que “a terra era sem forma e vazia, e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas” (Gênesis 1:2). A expressão hebraica traduzida como “sem forma e vazia” é Tohu wabohu que pode ser traduzida como caos, e denota a ausência de propósito ou valor. Já o verbo hebraico traduzido como “pairar” referindo-se ao movimento do Espírito de Deus sobre o lugar de onde a vida emergiria aponta para o adejar de uma ave sobre os seus ovos. O texto está dizendo que a Ruach Divina estava chocando as águas.
O que na percepção humana seria o mais absoluto caos, Deus enxerga potencialidades que desencadearão a execução de Seu propósito, o ovo de onde a vida eclodirá.
Voltando à visão de João em Apocalipse, diante do fato de não haver ninguém apto a romper os lacres que impediam que o pergaminho fosse aberto, o vidente foi tomado de grande comoção, até que um dos seres misteriosos que rodeavam o trono se lhe aproximou e disse:
“Não chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, venceu para abrir o livro e romper os sete selos. Nisto vi, entre o trono e os quatro seres viventes, no meio dos anciãos, um Cordeiro em pé, como havendo sido morto, e tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete espíritos de Deus, enviados por toda a terra. E veio e tomou o livro da mão direita do que estava assentado no trono. ” Apocalipse 5:5-7
Quem é o Cordeiro de Deus? O Cristo. Aquele que entregou Sua vida na cruz por amor à Sua criação. Para nós que vivemos na linearidade do tempo, Sua morte aconteceu num dado momento da história, cerca de dois mil anos atrás. Porém, o mesmo livro de Apocalipse afirma que o Cordeiro foi morto desde antes da fundação do mundo (Apocalipse 13:8). O que isso poderia significar? E o que isso teria a ver com a evolução da criação?
A morte é parte do processo no qual todos estamos implicados. No dizer de Paulo, a criação inteira foi submetida à vaidade, isto é, ao processo (Romanos 8:20). Para a cosmologia, o universo está sujeito à entropia, ou seja, à desordem crescente. Isso significa que, em algum momento em um futuro distante, o nosso Universo chegará a um estado de desordem total, de entropia máxima. Os cientistas chamam isso de "morte térmica". Nosso universo está destinado a morrer. A morte faz parte do processo.
Esta mesma criação anseia por ser libertada deste destino inexorável, sendo, finalmente, redimida, e plenamente restaurada. Para tal, Aquele através do qual todas as coisas vieram à existência, o Logos Divino, teve que submeter-se igualmente ao processo, adotando um corpo físico, sujeito às leis da física e às limitações biológicas para que pudesse experimentar a morte.
Este “cordeiro sem defeito e sem mancha”, adentrou a história, ofereceu Sua vida em um sacrifício de amor “conhecido ainda antes da fundação do mundo, mas manifesto nestes últimos tempos” (1 Pedro 1:19,20).
O Deus Eterno se temporaliza para reverter o processo no qual toda a criação está mergulhada. O Deus que é Pai da Eternidade se faz Filho do tempo. Aquele que não é comportado nem mesmo pela vastidão dos céus se diminui a ponto de caber no ventre de uma mulher. A este evento extraordinário, o apóstolo Paulo chama de Kenósis, o esvaziamento de Deus.
O Deus que simplesmente É, mergulha de cabeça na existência. O Eterno se historiciza. Aquele que se apresenta a Moisés como o “EU SOU O QUE SOU”, e que, segundo o escritor de Hebreus “é o mesmo ontem, hoje e eternamente”, se apresenta ao vidente João como “aquele que era, que é e que há de vir.” Por mais sutil que pareça, há uma diferença gritante aí. Quando se diz que Ele É o mesmo ontem, pressupõe-se sua transcendência com relação ao tempo. Caso contrário, se diria que Ele ERA o mesmo ontem, e não que Ele É o mesmo ontem. Percebe? Portanto, o escritor de Hebreus afirma a Sua transcendência, a Sua eternidade. Já o escritor de Apocalipse nos revela um Deus atemporal mergulhado na temporalidade. ALi, Ele surge como Aquele que ERA, que É e que HÁ DE VIR (Confira os textos na ordem: Êxodo 3:14; Hebreus 13:8; Apocalipse 1:8).
O Deus que tudo sabe assume a nossa ignorância. O Deus que tudo pode assume a nossa fraqueza. O Deus inatingível e inabalável assume nossa fragilidade e nossas dores.
Sua cruz não é apenas um evento histórico, mas metafísico, e se situa antes de todos os antes. Ela é a base da existência. Sem que Deus se esvaziasse, o universo não poderia existir.
Repare numa coisa: quando falamos, esvaziamos nossos pulmões. O ar que sai pela nossa boca, em contato com nossas cordas vocais e língua, é transformado em sons carregados de significado. Considerando que sejamos a imagem e semelhança do Criador, podemos inferir que ao dizer “haja”, Deus se esvaziou. Junto com a Sua Palavra criadora, também veio o Seu fôlego, Seu próprio Espírito.
Este mesmo Espírito segue pairando sobre toda a extensão do cosmos. A atividade criadora, todavia, não chegou ao fim. Planetas espalhados pelo universo seguem sendo preparados para hospedarem a vida. Estrelas ainda estão surgindo de nebulosas, nuvens de gás que são verdadeiras incubadoras estelares.
Mesmo a humanidade, considerada obra-prima do Criador, segue neste processo evolutivo, alcançando estágios de consciência cada vez mais elevados e elaborados. O Cristo ressurreto é, por assim dizer, o primeiro de uma nova espécie: o Homo Christus. Seu evangelho nos desafia a dar um salto evolutivo inédito, “a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Romanos 8:29). Por isso, Paulo o chama de “o último Adão” (1 Coríntios 15:45). Ele é tanto o Alfa, quanto o Ômega, o início e o fim de todas as coisas. Não entenda “fim” como cessação da existência, mas como o objetivo, o alvo. “Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas” (Romanos 11:6). Ele quem deu o start na evolução, e Ele mesmo a levará a cabo. Ele é o Caminho, a seta evolutiva, o ponto Ômega, para o qual toda a criação deve convergir. Ele é a garantia de que tudo o que Deus fez durará eternamente (Eclesiastes 3:14). A Sua morte eternizou aquilo cujo prazo de validade estava prestes a expirar; Seu esvaziamento foi a catapulta que o elevou acima de todas as coisas a fim de preenche-las e transfigurá-las.
A consciência precede a existência. Todas as coisas foram feitas por ela e para ela. Em outras palavras, há intencionalidade em toda a criação. Não há acidentes.
Uma vez que nossa consciência seja unificada à Suprema Consciência, concluímos que “tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado, sendo recebido com ação de graças” (1 Timóteo 4:4). Se a consciência divina intenciona, cria, avalia e transforma em dom todas as coisas, a consciência humana deve perceber, acolher e ser grata por todas as coisas. Somente a consciência grata está apta a desfrutar plenamente de tudo o que a criação oferece. Só haverá gratidão legítima, onde a consciência reverberar a avaliação que o próprio Deus fez de Sua criação: “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gênesis 1:31).
Nenhum comentário:
Postar um comentário