“Eu, eu mesmo, sou o que apago as suas transgressões por amor de mim; e dos pecados que você cometeu não me lembro” (Is 43.25).
Como você se relaciona com o perdão? Você é do tipo que perdoa fácil, ou que guarda mágoas por intermináveis períodos de tempo? E quando se trata dos seus próprios erros? Consegue se perdoar ou fica sempre se martirizando por aquilo que fez?
Confesso que durante muito tempo tive sérios problemas com o auto-perdão. Embora tenha crescido em um lar cristão, com os valores fundamentados no amor de Cristo por nós e em seu sacrifício em morte de cruz, que nos garantiu a redenção dos pecados, isso nem sempre foi fácil pra mim. Sempre me senti indigna desse perdão que Deus nos oferece unicamente por amor, sem nada pedir em troca. Sentia que, para merecê-lo, precisava que o meu sentimento de arrependimento fosse tão pesado a ponto de me deixar em um nível de prostração extremo, quase como que se precisasse provar que estava de fato arrependida ou chateada por algo de errado que tivesse feito. Só assim poderia merecer o perdão.
O curioso é que nunca fui alguém que guardasse mágoa do outro. Ficava triste, obviamente, por algum tempo, e até evitava o contato, mas com o tempo, não conseguia mais manter esse comportamento rígido. Ainda que errassem comigo – e sou assim até hoje – sempre evitei me colocar acima das pessoas a ponto de condená-las por seus feitos. Olhava sempre para mim primeiro, lembrando que também cometo erros que por vezes magoam o outro. Gostava do diálogo, de entender as razões que as levaram a agir da maneira como agiram. E continuo acreditando que este exercício de nos analisarmos a primeiro descortina muitos caminhos perigosos que podemos acabar trilhando, como a hipocrisia e a vaidade, se não estivermos conscientes de que todos temos luz e sombra.
No entanto, me chamava atenção o fato de não conseguir dispensar a mim o mesmo olhar amoroso que desanuviasse as minhas culpas. Sempre que fazia algo inadequado, passava dias carregando o peso da vergonha, ainda que em minhas orações depositasse sobre o altar as minhas inquietações. Até que um dia ouvi de um pastor amado que o perdão não se tratava de um sentimento, mas de uma escolha. Se fossemos esperar sentir vontade de perdoar, logicamente nossas dores ficariam sempre no caminho, nos impedindo de avançar. Por isso então, primeiro decidimos conscientemente perdoar, escolhemos soltar a corda do controle, permitindo que as águas fluam e levem o que devem levar, trazendo consigo o novo.
É desta forma que Jesus faz com cada um de nós. Ao iniciar o caminho das dores, ele não ficava parando cada vez que lembrava que, mesmo com todo seu sacrifício, nós ainda assim continuaríamos errando. Ele já sabia que continuaríamos sendo egoístas, ferindo o nosso próximo, depredando a natureza que ele criou, tratando aqueles que são diferentes de nós com desprezo, nos corrompendo pela vaidade do poder. Ainda assim ele escolheu ir até o fim e nos perdoar, como sabia que devia fazer, prometendo que dos nossos pecados não se lembraria mais (Is 43.25).
Acredito que o “não se lembrar” do Deus que tudo sabe e tudo vê não se trata do sentido literal da palavra, mas, sim, de que, a partir do momento que o perdão nos foi dado, não há mais razão de ficarmos presos ao que passou. Ao contrário, devemos olhar para a frente, levando conosco apenas os aprendizados que cada situação nos proporciona. Deus, em toda sua sabedoria, misericórdia e amor, sabe que somos incapazes de crescer, amadurecer e prosperar em qualquer área de nossa vida se estivermos presos a sentimentos que nos impeçam de fluir em plenitude e amor.
Querido leitor, querida leitora. Este certamente não é um desafio fácil. Não é fácil abrir mão dos critérios que serviram de base para forjar a natureza de quem somos e expandirmos nossa consciência de que podemos e devemos ser melhores a cada dia, em prol de uma vida mais leve, plena e feliz. Este é um exercício diário que deve ser feito, refeito, corrigido e melhorado tantas vezes quantas forem necessárias. E ainda que em determinados momentos sintamos que não somos dignos, mesmo assim devemos prosseguir. Olhar para o amor de Deus por nós e caminhar mais uma milha. Aceitar esse amor com o coração aberto e grato, lembrando que perdoar ao outro e a nós mesmos é uma escolha pessoal e intransferível.
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