quarta-feira, 9 de abril de 2025

PAZ

  Cresci numa família humilde. Porém, sempre tinha uma toalha à mesa. Aos domingos e dias festivos, a mãe colocava uma toalha nova. Nos dias de semana, a toalha, muitas vezes, tinha remendos. Aprendi, através destes gestos da mãe, que a mesa era sagrada. Mesmo com remendos, a toalha dava um toque especial à mesa. É comum fazer uma refeição com quem entrelaçamos afetos e trocamos sentimentos. Antes de partilhar o alimento, partilhamos a vida. Porém, nem todos que se sentam à nossa mesa sabem valorizar o alimento partilhado. Algumas presenças trazem aconchego, enquanto outras apenas agitam o que deveria ser sagrado. A convivência exige discernimento. Durante muito tempo, tentamos acomodar todo tipo de cadeira ao redor da mesa do nosso coração. Cedemos espaço, silenciamos desconfortos, engolimos farpas no lugar de pão. Mas chega um momento em que o estômago da alma já não tolera qualquer companhia. A paz, tão necessária quanto o alimento, começa a se perder entre palavras atravessadas e ausências de afeto. Descobrir quais cadeiras não pertencem à nossa mesa é um ato de maturidade, não de rejeição. É saber acolher sem se ferir, servir sem se anular, amar sem perder a própria identidade. A vida precisa de espaços onde possamos repousar sem armaduras. E a mesa, esse lugar simbólico de partilha e presença, deve ser cercada de gente que contribui com ternura, escuta e verdade. Ninguém precisa aceitar o ruído como parte natural da refeição. Silenciar, afastar-se e escolher a simplicidade também são formas de preservar o essencial. Há cadeiras que pesam mais do que sustentam. E há silêncios que curam mais do que qualquer palavra mal colocada. Quando escolhemos bem quem se senta conosco, até o pão parece ter mais sabor. 

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