sábado, 26 de outubro de 2024

NOSSO


“O pão nosso de cada dia, dai-nos hoje.”.

O homem, ser complexo que é, constituído de corpo e alma, precisa de substâncias nutritivas que lhe sustentem o organismo e lhe forneçam energias para o trabalho, mas não prescinde de outras coisas mais transcendentes, ou seja, daquilo que favoreça o desenvolvimento de suas faculdades intelectuais e morais.

Nos primórdios de sua evolução, quando apenas vegeta, só carece de manter-se vivo; desse modo, a conquista da subsistência material é a razão de ser de toda a sua luta, de todos os seus esforços.

Posteriormente, entretanto, começa a sentir outras emoções e a alimentar outros desejos, eis que a simples conservação da vida já não o satisfaz. Uma sede de conhecimento exalta-lhe a mente, levando-o a pesquisar o “como” e o “porquê” dos fenômenos que ocorrem consigo e em seu derredor, ao mesmo tempo que um ideal superior — a busca da Beleza e da Justiça — irrompe sob o impulso da lei de progresso que lhe preside ao destino, e passa a manifestar-se, insopitavelmente, nos íntimos refolhos de sua alma.

Esse “pão” que, na prece do Pai-nosso, Jesus ensina-nos a pedir ao Criador, não é, pois, apenas o alimento destinado à mantença de nosso corpo físico, mas tudo quanto seja indispensável ao crescimento e perfectibilidade de nossa consciência espiritual, o que vale dizer, à realização do Reino dos Céus dentro de nós.

Devendo conhecer, individualmente, o que é o bem, para cultivá-lo, assim como as consequências do mal, para evitá-lo; tendo, igualmente, de passar por toda espécie de experiências, provando, alternativamente, a alegria e a tristeza, a opulência e a miséria, a saúde e a enfermidade, o poder e a subordinação, porquanto só assim nos será possível formar um caráter reto e justo, cumpre-nos aceitar, de bom grado, com largueza de ânimo, o que a vida, como expressão da Providência, nos reserve, visto que, em última análise, tudo, o sofrimento inclusive, concorre para que nos enriqueçamos em saber e moralidade, e nos aproximemos, cada vez mais, daquele “estado de varão perfeito, segundo o padrão do Cristo”, a que se refere o apóstolo Paulo. (Efésios, 4:13.).

Assim, quando suceder que, apesar de nossa diligência e operosidade, não consigamos escapar à pobreza, aceitemo-la sem revolta, como justa expiação de faltas cometidas em existências anteriores, ou como uma prova a mais no processo de burilamento de nossas almas, convictos de que, sendo Deus infinitamente justo e bom, não nos imporia uma vida de privações se isso não fosse útil ao nosso adiantamento espiritual.

Jamais invejemos aqueles que possuem em abundância, que navegam na prosperidade; tampouco os amaldiçoemos se se esquecem da lei da solidariedade que deve unir todos os homens, como nos ensina o Evangelho.

Curta é a existência corporal e efêmeros os gozos que ela proporciona. Mais vale, portanto, sofrer resignadamente uma sorte madrasta na Terra, e depois experimentar grandes alegrias no mundo espiritual, do que levarmos, aqui, uma vida nababesca, mas vazia de amor ao próximo, e acordarmos, depois, no Além, abrasados de remorsos.

Por outro lado, quando a fortuna nos sorria, não nos esqueçamos de repartir pelo menos o supérfluo com aqueles que, impossibilitados de prover à própria subsistência, pela velhice ou pela doença, vejam-se obrigados a estender a mão à caridade pública, tremendo de vergonha e de fome.

Guardemo-nos ainda de, no ganho do “pão nosso”, avançarmos também no pão de outrem. Que, ao adquiri-lo para nós, não obremos com injustiça, de modo a termos em demasia, enquanto a outros falte o mínimo suficiente.

Compenetremo-nos, finalmente, de que é legítimo e muito natural almejarmos, para nós e os nossos entes queridos, uma situação de conforto e bem-estar; bom é, todavia, não olvidarmos aquela sábia resposta do Mestre, dada ao tentador: “Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”. (Mateus, 4:4.).

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