O poder que vence o Maligno
“Ao que lhe respondeu Jesus: Se podes! Tudo é possível ao que crê” (Mc 9.23).
Isto disse Jesus em resposta à súplica de um pai cujo filho jazia terrivelmente endemoninhado. Era um caso de possessão fortíssima. Devemos compreender que a possessão demoníaca existe e de fato ocorre, não relativa apenas ao tempo em que Cristo se manifestou encarnado nesta terra. No entanto, está longe de ser o espetáculo visto nas igrejas pentecostais e neopentecostais. Crentes jamais são “possuídos” pelo diabo. Seria ridículo, absurdo e herético, beirando a blasfêmia, acreditar que satanás tem poder para “chutar a porta” do Templo do Espírito Santo, o coração de um crente, invadir a casa e tomar, ou pior, dividir com ele a morada.
Aqueles que são de Cristo não podem ser possuídos, nem mesmo por um momento. Além disso, a prática de entrevistar o diabo na TV é absurda. Satanás é ser astuto e jamais se submeterá a alguma coisa que o exponha de maneira vergonhosa. Tais encenações servem apenas para engrandecer líderes evangélicos que querem ser reconhecidos como pessoas detentoras de grande poder, capazes de expulsar qualquer demônio em programa de auditório.
Uma possessão demoníaca ocorre apenas em não-convertidos, sob estrita autorização de Deus. Satanás não pode sair por aí possuindo quem ele quiser! Isso seria caos absoluto! O Senhor deste mundo caído continua sendo Deus! O diabo tem um principado usurpado de Adão na queda, parasita, mas o reinado é do Senhor. O crente pode ser “oprimido”, jamais possuído. A chamada “opressão espiritual” se dá quando o Senhor permite que o diabo nos cirande de forma mais próxima e intensa do que normalmente faz, por determinado tempo, trazendo grande dificuldade para nossa vida, bem como, lançando dúvidas à nossa mente. Na linguagem de Paulo, seriam os “dias maus” (Ef 6.13).
A passagem em epígrafe mostra uma ocasião quando os discípulos de Jesus não haviam conseguido expulsar o demônio (v. 18) exatamente por se tratar de um espírito maligno muito poderoso. A referência a “castas” sugere exatamente isso (v. 29). Significa que o mundo espiritual caído é estruturado de acordo com o poder de cada demônio. Sugere que assim como os seres físicos têm corpos diferentes, maiores e menores, mais fortes e mais fracos, o mundo dos demônios também reflete essa diferença na capacidade de cada ser espiritual. Dessa forma, não parece haver plano de carreira ou qualquer “ascensão social” nas hierarquias espirituais do mal. Aquilo que se é, o será por toda eternidade, uma autêntica “sociedade de castas”.
Quando entendemos isso, que há demônios mais poderosos do que outros, o embate direto com aqueles que se mostram mais fortes impõem a necessidade de uma preparação especial indicada pelo próprio Cristo, qual seja: jejum e oração. Desde a infância do endemoninhado, relata seu pai, o espírito maligno se apoderou dele e o fazia lançar no fogo e na água com o objetivo de matá-lo (vs. 21, 22). Desesperado, o pai recorreu a Jesus perguntando-lhe se podia fazer alguma coisa. É neste exato ponto que Jesus profere as palavras do verso epigrafado.
Curioso é que Jesus não responde ao pai aflito com base em seu próprio poder, mas na fé. Sua resposta não foi: “eu posso”, mas “tudo é possível ao que crê”. Aqui tocamos em um dos pontos mais debatidos na chamada cristologia, ou seja, o departamento da Teologia Sistemática que estuda a Pessoa de Cristo. Quando examinamos as duas naturezas de Cristo, isto é, o fato bíblico de que Jesus é tanto Deus quanto homem, surge a pergunta: o que o Senhor fez no tempo de seu estado de humilhação, quando esteve nesta terra desde o nascimento até a sua ascensão, deu-se por sua divindade ou por sua humanidade? Colocando isso de outra forma: fez tudo o que fez usando seu poder divino ou como homem de fé perfeita? A resposta dada por Jesus àquele pai sugere a segunda possibilidade.
Devemos compreender que Cristo é o “fato” de Deus, é a revelação de Deus por ser o próprio Deus. Sua humanidade constitui-se, então, exemplo de ser perfeito, santo e imaculado. É provável que Jesus, quando batizado por João, ocasião em que foi revestido do Espírito Santo, tenha recebido todos os dons espirituais como capacitação para o seu ministério. Cristo como homem tinha fé perfeita! Então, devemos perguntar: o que é possível ser feito por alguém assim? Ora, ele mesmo deu a resposta: “tudo é possível ao que crê”. Certamente, tal resposta se coaduna com o contexto.
Percebemos nitidamente certa oscilação na fé dos apóstolos, por não terem conseguido resolver o problema do rapaz, deixando clara a exigência de uma fé robusta. Além disso, como resultado, Jesus faz aguda reprimenda a todos os que se aglomeravam ao seu redor, contra a falta de fé: “Ó geração incrédula, até quando estarei convosco?” (v. 19).
Quando Jesus afirma o poder da fé oportuniza a súplica do pai comovido: “Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!” (v. 24). Notemos, destarte, que todo o texto gira em torno do tema “fé” e seus necessários efeitos. Quando Jesus abre todas as possibilidades para a fé não está querendo dizer com isso que, uma vez crente nele, todas as minhas vontades e expectativas não encontrarão limites para realização. Dizer “todas as possibilidades para a fé” é muito diferente de dizer “todas as possibilidades para o crente”. Não se trata de se apropriar de um poder sobrenatural e divino para usá-lo segundo os nossos próprios interesses, mas daquele irresistível poder para concretizar na história, como instrumentos do Senhor, mesmo por vias sobrenaturais, os desígnios do próprio Deus. Quem pode impedir que a vontade de Deus se realize?
Percebamos, finalmente, que claramente o texto declara a prevalência da fé sobre os poderes das trevas, ou seja, é única e exclusivamente por meio dela que vencemos os ardis de satanás no seu próprio terreno: este mundo de trevas. Eis a razão por que nosso Senhor dedica atenção especial ao episódio. Mais do que libertar o rapaz do cativeiro e escravidão espirituais que vivia, demonstrou na prática o poder da fé contra o Maligno. Jesus venceu o diabo por sua fé, não por seu poder divino. Isso já ficou claro já a partir do episódio de sua tentação no deserto. É exatamente para isso que cremos: para vencer o mal, não para produzir sinais que tenham como única finalidade favorecer a presente vida física e os desejos do coração.
Creiamos na declaração de Cristo: “tudo é possível ao que crê”. Vivamos a vitória sobre o maligno que temos pela fé, verdadeiro poder que vence o mal. Que o Senhor nos ajude em nossa falta de fé. Muitas vezes percebemos sucumbir diante do mal. Sabemos que nosso caminho é a vereda da justiça. Fortaleçamo-nos diariamente na leitura da Palavra e nas orações. Assim, poderemos não apenas pedir: “livra-nos do mal”, mas viver tal realidade. Tenha um abençoado dia na presença de Jesus
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