sábado, 17 de agosto de 2024

INFERNO

 A Bíblia não diz que Jesus desceu ao inferno e pregou aos mortos. Na verdade essa ideia de que Jesus desceu ao inferno é resultado de uma linha de interpretação de alguns textos bíblicos difíceis.


Como qualquer outro texto da Bíblia que oferece alguma dificuldade de interpretação, existem diversas interpretações defendidas pelos teólogos. Porém, devido a algumas interpretações equivocadas sobre este tema, muitas heresias foram ensinadas ao longo da História da igreja.


Antes de entender se Jesus desceu ao inferno ou não, é preciso saber como a palavra “inferno” é aplicada nos textos bíblicos. Essa palavra é utilizada para traduzir alguns termos originais hebraicos e gregos. São eles: Sheol, Hades, Gehenna e Tártaro.


A palavra grega Tártaro é utilizada apenas uma vez em 2 Pedro 2:4. Sheol é uma palavra hebraica utilizada com certa frequência no Antigo Testamento. O grego Hades traduz o hebraico Sheol na Septuaginta (versão grega do Antigo Testamento). Hades também é utilizado no Novo Testamento de forma praticamente equivalente ao Sheol no Antigo Testamento.


Tanto Sheol quanto Hades podem assumir significados diferentes dependendo do contexto. Os três principais significados são: sepultura; esfera dos mortos (estado desencarnado); lugar de punição dos ímpios após a morte (o inferno em seu estado intermediário).


Já o termo Gehenna é uma adaptação grega de uma palavra hebraica. Gehenna é utilizado no Novo Testamento para se referir ao inferno em seu estado final. Esse será o lugar de condenação dos ímpios e de Satanás e seus anjos após o juízo final (o lago de fogo). 

Basicamente os principais textos bíblicos utilizados para defender que Jesus desceu ao inferno são os seguintes:


Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito;

No qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão;

Os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água.

(1 Pedro 3:18-20)


Porque por isto foi pregado o evangelho também aos mortos, para que, na verdade, fossem julgados segundo os homens na carne, mas vivessem segundo Deus em espírito.

(1 Pedro 4:6)


É com base nestes versículos que todo debate acerca de Jesus ter descido ao inferno acontece. Vejamos a seguir como as pessoas têm interpretado estes versículos ao longo da História do Cristianismo.


Jesus desceu ao inferno para pregar aos mortos

De forma geral, esta interpretação defende que Jesus, entre sua morte e ressurreição, desceu ao inferno para pregar aos mortos. Dentro desta visão, existem diferentes interpretações em relação à natureza dessa pregação de Jesus e a identidade desses mortos. São elas:


Jesus desceu ao inferno para pregar aos mortos que foram vitimas do Dilúvio. Essas pessoas supostamente teriam se arrependido antes de morrerem. Nesse caso Jesus teria descido ao inferno para pregar uma mensagem de salvação a essas pessoas.

Jesus desceu ao inferno para pregar aos mortos que morreram antes de seu ministério, dando-lhes oportunidade para arrependimento. Então a pregação de Jesus teria levado salvação aos arrependidos e juízo aos impenitentes.

Jesus desceu ao inferno para pregar aos mortos que morreram no dilúvio e não creram na pregação de Noé. Nesse caso a pregação de Jesus teria sido de juízo sobre os mortos.

Qualquer uma destas três interpretações acima não encontra base Bíblica. Mas sem dúvida as interpretações que afirmam que Jesus desceu ao inferno para pregar uma mensagem de salvação aos mortos são as piores. Todo ensino que defende uma segunda chance após a morte é herético e deve ser rejeitado. A Bíblia Sagrada claramente ensina que após a morte só resta ao homem o juízo.

E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo.

(Hebreus 9:27)


Jesus desceu ao inferno para libertar os santos do Antigo Testamento

Nesta interpretação Jesus teria ido ao inferno pregar o Evangelho e libertar aos santos do Antigo Testamento. Esses homens piedosos supostamente estariam esperando a consumação da redenção por Jesus para serem levados ao paraíso.


Em outras palavras, os santos do Antigo Testamento morreram na promessa, e Jesus precisou aparecer a eles para que a promessa fosse cumprida. Outros textos bíblicos também são usados para defender essa posição (ex. Salmos 16:10; Mateus 12:40; Efésios 4:8,9).


Essa é a interpretação mais conhecida entre os cristãos. Inclusive, ela já foi defendida em algum momento até por Lutero. Com algumas pequenas diferenças, esta teoria também é a posição do catecismo Católico.


O problema com esta interpretação é que a Bíblia é bastante clara ao afirmar que os santos do Antigo Testamento em nenhum momento foram para um lugar de espera. Eles não ficaram esperando um tipo de consumação da salvação, mas foram estar com Deus (Gênesis 5:24; 2 Reis 2:11; Salmos 73:23). Os santos do Antigo Testamento também foram justificados pelos méritos de Cristo (Romanos 4:3; Hebreus 11:5). Eles creram fielmente no Messias que haveria de vir.


Jesus desceu ao inferno pregar aos anjos caídos

Esta interpretação acredita que Jesus desceu ao inferno para pregar aos anjos caídos. Essa pregação não teria sido uma evangelização, mas uma proclamação de sua vitória na cruz e um anúncio vindicativo. Os textos de Judas 1:6 e 2 Pedro 2:4, combinados com 1 Pedro 3:18-20, são os mais utilizados na defesa desta interpretação.


Mas a questão é que em nenhum lugar da Bíblia encontramos alguma referência sobre Jesus descendo ao inferno para pregar aos anjos caídos. Utilizar as referências de Judas e das epístolas de Pedro para defender esta ideia é forçar bastante os textos.

A referência de 1 Pedro, por exemplo, a todo momento está se referindo a pessoas e não a espíritos malignos, anjos caídos ou demônios. Portanto, o que poderia justificar uma mudança tão radical do foco da escrita no meio do texto? Se tivesse sido esse o caso, o texto teria sido praticamente impossível de ser interpretado por seus destinatários primários.


Jesus desceu ao inferno para tomar as chaves de Satanás

Esta interpretação é bastante semelhante a anterior. Ela diz que Jesus desceu ao inferno para proclamar sua vitória sobre Satanás e tomar as chaves da morte e do inferno. Esta ideia também tem raízes em uma interpretação sobre o resgate pago a Satanás na expiação de Cristo.


Essa é uma das interpretações mais absurdas que encontramos por aí. Em primeiro lugar, nenhum resgate foi pago a Satanás. Jesus pagou o resgate a Deus! O pecado do homem foi contra Deus, e é a justiça Divina que exige tal pagamento.


Em segundo lugar, Apocalipse 1:18 realmente diz que Cristo tem a chave da morte e do Hades. O termo “Hades” nesse versículo é aplicado como uma referência ao estado de existência desencarnada. O foco está n momento em que a alma se separa do corpo, e o corpo é conduzido à sepultura.


Dizer que Jesus tem as chaves da morte e do Hades significa que Ele tem autoridade e poder sobre a morte. Por causa de sua obra redentora, a morte não é mais um motivo de dano aos salvos. O próprio Jesus é quem recebe a alma dos redimidos no céu após a morte. Além disso, em sua segunda vinda Ele ressuscitará os mortos. Então estes deixarão o estado de existência desencarnada (no contexto o Hades) para receberem corpos ressuscitados.


O texto de fato não fala que Jesus desceu a um lugar em que Satanás habita e lhe tomou as chaves de sua mão. Sem dúvida a referência é a obra de Cristo na cruz, onde, por sua morte, Ele destruiu aquele que utilizava a morte como uma arma contra nós (Hebreus 2:14).


Satanás sempre desejou a morte do homem, tanto a morte física como a morte espiritual. Ele até se apresentava diante de Deus para acusar os justos (Apocalipse 12:10; cf. Zacarias 3:1,2). Mas apesar do Diabo cumprir o papel de acusador, ele jamais foi o responsável pela sentença. A sentença de morte contra o homem foi pronunciada por Deus quando Adão e Eva caíram no pecado. Mas na cruz Jesus experimentou todo peso da ira de Deus pelos pecados de seu povo. Ali Ele deu sua vida para libertar os redimidos da maldição da morte.

Considerando o contexto histórico da passagem de Apocalipse, a declaração de que Jesus é quem possui as chaves da morte e do Hades representou um grande conforto para aos cristãos que receberam esse livro no século 1 d.C. Diariamente eles eram expostos ao martírio por causa do Evangelho.


Ao saber que o controle sobre a morte está nas mãos de Cristo, eles entendiam que não era preciso temer a morte. Eles sabiam que se seus corpos caíssem aqui na terra, suas almas estariam de pé com Cristo no céu. No lar celestial eles aguardariam o dia em que seus corpos seriam ressuscitados assim como Cristo ressuscitou.


Cristo pregou aos mortos enquanto eles ainda estavam vivos

Esta interpretação defende que o Espírito de Cristo, através da vida de Noé e de outros profetas, pregou aos mortos enquanto estes ainda estavam vivos. Então esta interpretação não exige uma suposta descida de Jesus ao inferno. Por meio do ministério dos profetas, Deus anunciou aos homens a justiça e o arrependimento. No entanto, muitos deles rejeitaram a revelação de Deus através de sua Palavra.


Então Jesus não desceu ao inferno?

Biblicamente não há nada que possa afirmar que Jesus desceu ao inferno. A Bíblia apresenta uma estrutura perfeita. Por isto um texto bíblico jamais deve ser interpretado fora de seu contexto ou de forma isolada e incoerente com o restante das Escrituras.


Portanto, das interpretações acima a mais coerente à luz da Palavra de Deus é aquela que diz que Cristo pregou aos mortos quando estes ainda estavam vivos na terra. É fácil perceber isto em 1 Pedro 1. O apóstolo afirma que categoricamente que o Espírito de Cristo é quem conduzia os profetas em suas pregações.

Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada,

Indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir.

(1 Pedro 1:10,11)


Aplicando esse texto ao capítulo 3:18-20 da mesma epístola, podemos entender sem dificuldade que Cristo, através de Noé, pregou às pessoas que desobedeceram naquele tempo e que agora são “espíritos em prisão”, ou seja, essas pessoas estão condenadas ao juízo eterno. Essas pessoas ouviram a pregação e a rejeitaram, ainda em vida. Como resultado, agora elas estão em condenação eterna.


Sobre o texto de 1 Pedro 4:6, o mesmo princípio é válido. Isso significa que o Evangelho foi pregado também aos mortos quando eles ainda estavam vivos.


Atos 2:31 é outro texto bastante utilizado para defender que literalmente Jesus desceu ao inferno. O texto registra a pregação do apóstolo Pedro no Pentecostes. Em sua pregação o apóstolo diz que a alma de Jesus “não foi deixada no inferno, nem seu corpo viu corrupção”. Mas a palavra “inferno” traduz novamente o grego Hades, que nesse contexto originalmente se refere à sepultura. Em outras palavras, o apóstolo fala que Jesus não foi deixado no “estado de sepultado”.


Vale saber também que nesse texto o apóstolo Pedro está citando o Salmo 16:8-11. Então ele interpreta a profecia de Davi acerca da ressurreição do Messias. Ao fazer isto, ele aponta para o contraste entre o tumulo de Davi em Jerusalém, e o tumulo de Cristo, que está vazio, porque Deus o ressuscitou dos mortos.


Quanto ao texto de Efésios 4:9, usa-lo para defender uma descida literal de Jesus ao inferno é forçar muito a estrutura do próprio texto. Uma interpretação assim desconsidera totalmente o contexto e o objetivo da mensagem transmitida pelo apóstolo Paulo. No texto o apóstolo se refere ao ministério de Cristo na terra, ao plano de salvação e à unidade e organização da igreja como corpo de Cristo.


Também não existe uma possibilidade biblicamente aceitável de que Jesus desceu ao inferno para pregar o Evangelho para quem viveu nos tempos do Antigo Testamento, para que eles tivessem uma chance de crer. Afirmar isto é a mesma coisa de considerar inúteis todos os profetas levantados por Deus no Antigo Testamento. Do próprio Noé, por exemplo, o Novo Testamento testifica que ele foi o “pregoeiro da justiça” (2 Pedro 2:5). Assim, a melhor alternativa é concordar com Pedro e afirmar que Cristo pregou através do ministério dos profetas.

Alguns alegam que Jesus precisou libertar e alocar os santos do Antigo Testamento. Mas isto não tem qualquer fundamentação bíblica. Sobre isto podemos recorrer às histórias de Enoque e o profeta Elias. Estes dois homens foram levados por Deus da terra sem passar pela morte. Então por que Deus tomaria ambos para si, se não fosse para que eles estivessem com Ele? Será que Deus os arrebataria para deixá-los num tipo de sala de espera, ou pior, no inferno, enquanto aguardavam uma consumação da redenção?


Mas a Bíblia é muito clara ao dizer que eles foram estar com Deus! Na transfiguração, pelo estado descrito de Moisés e do próprio Elias, não me parece que eles estavam em qualquer outro lugar a não ser com o próprio Deus. Eles estavam no paraíso, isto é, no céu, o terceiro céu do qual escreve o apóstolo Paulo em 2 Coríntios 12:2-4.


Também é importante saber que não existe na Bíblia, com referência a Jesus Cristo, a expressão “desceu ao inferno/hades”. Essa expressão passou a ser utilizada na Confissão de Fé Apostólica, talvez por volta do século 4 d. C., já que em suas formas mais primitivas essa expressão não era encontrada.


Na verdade essa frase foi utilizada originalmente para substituir a expressão “crucificado, morto e sepultado”, o que também estaria correto. Mas quando as duas expressões começaram a aparecer juntas no Credo Apostólico por volta do século 7 d.C., logo começaram as confusões teológicas.


Outra coisa que vale ser lembrada é que o conceito de um lugar comum dividido em dois setores para onde iam todos os mortos, encontra sua origem na doutrina grega do Hades. No paganismo grego, todos os mortos ficavam em um lugar chamado Hades. Dentro do Hades havia duas alas: o Tártaro, onde ficavam todos os maus, e o Elísios, onde ficavam todos os bons.


Como a palavra “inferno” é uma das traduções para tártaro, e paraíso é uma das traduções para elísios, então já dá para saber a origem de alguns erros de interpretação que originaram doutrinas estranhas ao ensino Bíblico. A Bíblia claramente ensina que quando o ímpio morre, ele fica em tormento enquanto aguarda a condenação eterna no Juízo Final (2 Pedro 2:9). Mas quando o salvo morre, ele é recebido por Deus. Ao lado do Senhor ele aguarda a ressurreição em corpo glorioso na segunda vinda de Cristo (Filipenses 1:23).

Mas onde Jesus estava entre sua morte e ressurreição?

A Bíblia não fornece muitos detalhes sobre o que Jesus fez entre sua morte e ressurreição. Mas sabemos com certeza que Ele foi ao céu. A Bíblia diz muito claramente que antes de morrer Jesus entregou seu espírito ao Pai. Ele fez isto quando tudo já estava consumado. Isso significa que a expiação de Cristo foi concluída na cruz, e não ficou nenhuma etapa para ser concluída no inferno ou em qualquer outro lugar.


E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso.

(Lucas 23:43)


E, quando Jesus tomou o vinagre, disse: Está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito.

(João 19:30)


E, clamando Jesus com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, havendo dito isto, expirou.

(Lucas 23:46)


Até podemos dizer que Jesus desceu ao inferno, desde que entendamos que foi no Calvário que Ele experimentou todo o horror do inferno ao tomar o cálice amargo da justiça de Deus em nosso lugar. Após a cruz, nós sabemos o que realmente importa: Ele ressuscitou! Daniel Conegero

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