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sábado, 6 de fevereiro de 2016

RESSENTIMENTO

O ressentimento não é um conceito de psicanálise, como nos esclarece a especialista Maria Rita Kehl, em sua excelente obra sobre o assunto, chamada “Ressentimento”, Casa do Psicólogo, 2007. Segundo ela, ressentimento é um termo do senso comum, que designa uma constelação de afetos negativos – raiva, inveja, ruminações vingativas e amarguras. Acima de tudo, é uma queixa insistente, repetitiva, que não aceita nenhuma forma de desagravo. Em outras palavras, imagine, por exemplo, que você nutriu grandes expectativas com relação à uma pessoa ou a uma instituição, e, por alguma razão, essa sua dedicação e suor não foram reconhecidos devidamente como você esperava, e entendia merecedor. Aí, nasce o ressentimento, já que àquela pessoa ou instituição causou um grave dano emocional , não aceitando a pessoa que se sente ofendida uma reparação, um desagravo pelo que sofreu, criando-se a partir daí esse ciclo perene que rouba a paz. Mas, vocês devem estar se perguntando: O que isso tem a ver com o meio cristão? É o que busco compartilhar aqui neste artigo. Infelizmente, desde que me converti em 1990, tenho me deparado com inúmeros irmãos extremamente ressentidos, em face de um processo lento e progressivo que foi solapando a alegria, o contentamento de estar na igreja, quando não os leva a virar mais um dos hoje conhecidos “desigrejados”, como vêm sendo chamados aqueles que se afastaram da instituição igreja ou a pertencer a grupos que muitas vezes passam um tempo absurdo, apenas desdenhando e ridicularizando outros cristãos. Vejamos então como se dá esse processo a que me refiro. Como é sabido, a conversão é o que acontece quando Deus desperta aqueles que estão espiritualmente mortos e os capacita a se arrependerem de seus pecados e a terem fé em Cristo. É o “nascer de novo”, não entendido por Nicodemos, a metanóia. Porém, infelizmente, em alguns casos, quando a pessoa se converte, é tomada por um estado de fixação total, onde a igreja parece virar o centro de tudo. Não raras vezes, esta pessoa acaba assumindo inúmeras funções ali, sem refletir, se entregando de corpo e alma de domingo a domingo, sem um equilíbrio mínimo, às vezes facilmente perceptível pelos de fora, mas não pela pessoa envolvida. Com efeito, neste momento, nasce nestas pessoas, uma espécie de FASCÍNIO DO DEVER, expressão utilizada pelo pastor e psicólogo gaúcho Karl Kepler, em seu ótimo livro “O FASCÍNIO DO DEVER PARA OS CRISTÃOS”, Editora Grafar. Ou seja, é um investimento emocional muito grande que fazem estas pessoas, às vezes, chegando quase a “morar” na igreja. Uma característica bem típico do que estou falando são os recorrentes atos de radicalismos, como quebrar discos “do mundo”, que até ontem eram a melhor coisa do mundo, cortar amizades, às vezes, antigas e até saudáveis, porque estes amigos “passaram” a ser mundanos de um dia pro outro, usar um jargão “evangeliquês” para falar com outras pessoas totalmente artificial e fora do contexto, etc. Assim, este religioso compra uma espécie de script do que pode ser feito ou não, porém, sem muitas vezes parar para pensar qual é a verdadeira motivação por trás de tudo aquilo e se aquilo, de fato, é válido para sua vida. É o famoso “maria-vai-com-as-outras”. Se o “apóstolo” disse algo, é porque o “Deus na Terra” está dizendo, sendo uma ordem a ser cumprida, sem questionamentos. Se o “ungido de Deus” falou para não fazer, é porque “Deus ali está exortando”, sob pena de um raio vir do céu ou o “diabo” fazer a festa na vida da pessoa. E onde fica aí o pensar da pessoa? Respeitar um líder é aceitar tudo que ele diz ou deixa de dizer, sem usar a cabeça? O problema todo é que a questão não se encerra aí, pois cria-se na mente destes cristãos que, como estão fazendo tudo para Jesus e estão em todas as programações das igrejas que podem, suas vidas serão AUTOMATICAMENTE abençoadas por Deus no seu tempo. Daí, não há muito necessidade de querer estudar a fundo, fazer uma faculdade e correr atrás de um trabalho, pois Deus TERÁ que dar um bom emprego, quando não a própria igreja. Não há muita necessidade de investir em relações afetivas, pois o meu “príncipe” ou a minha “princesa”, Deus TERÁ QUE MANDAR dos céus, como o maná do tempo de Moisés, ou bastará eu ir no “culto da rosa do amor” ou ao “culto das princesas”, que tudo estará resolvido na minha área sentimental, etc. E, infelizmente, muitas igrejas reforçam ainda mais esse comportamento, ao pregaram um evangelho “mamão com açúcar”, do tipo: obedeça a cartilha da “nossa” igreja, que Deus te abençoará certamente. Porém, a realidade não é tão simplória assim. Quantos e quantos servos de Deus, piedosos e que amam Jesus que conhecemos, e não possuem qualquer reconhecimento social, com graves problemas afetivos e passando por tragédias e vales nas suas vidas? Desta forma, quando este religioso que estou falando acorda, ou chega, em algum momento de sua vida mais adulta, à conclusão de que sua “VIDA NÃO ACONTECEU”, que ele, de alguma forma, “SE PERDEU PELO CAMINHO”, sente-se extremamente ressentido com Deus e cheio de remorsos pelas suas próprias escolhas adotadas, que, somente agora, lhe parecem equivocadas. Instala-se um sentimento de revolta com Deus (ainda que implícita), ou com a igreja, pelo “tanto tempo que perdeu” de suas vidas, e muitas vezes de sua mocidade, se “entregando a obra” e não tendo agora auferido nenhum tipo de recompensa, pelo menos na ótica que esperava, por tanta dedicação. Aqueles líderes do passado tão amados passam, como em um toque de mágica, a serem os “culpados” pela vida não ter progredido (ainda que isso, em parte, possa ser verdade). Aí, nasce o RESSENTIMENTO no coração destes irmãos, pois, a justiça própria deles diz que eram MAIS QUE MERECEDORES de uma “vida muito melhor”, porque deram o sangue pela obra de Deus. E o pior: muitos não têm a coragem de admitir para si mesmo que agiram como crianças, em uma espécie de “Síndrome de Peter Pan”, para usar o termo cunhado por Dan Kiley, em seu interessante livro acerca do tema. Coragem de admitir que se deixaram acomodar e foram levados por vãs promessas dos líderes de igrejas com pouco equilíbrio teológico. Ocorre que Deus nunca nos prometeu uma vida de bonanças e de reconhecimento, mas, que Ele estaria conosco por todos os dias (Mateus 28:20). Será que hoje teríamos muitos cristãos maduros o suficiente para aceitar algo como o espinho na carne de Paulo (II Coríntios 12:7), ou seja, algo que é doloroso na nossa vida, e que não terá cura. Como ficaria nossa fé em uma situação destas? É o CONTRÁRIO do evangelho triunfalista que estamos acostumados a ver nas ondas de TV brasileiras. A partir daí, tenho visto as seguintes situações nestes cristãos ressentidos, que passo a descrever. Alguns destes mudam geralmente de igrejas e passam a frequentar outras, onde se reúnem os feridos, os machucados com experiências com suas igrejas primitivas. Parece que o hobby favorito nestes novos ambientes é criar uma espécie de palco para que essa turma passe a atacar, zombar e se sentir “superior” aos “crentes menos esclarecidos”, geralmente motivos de chacota. A coisa chega a um nível tal, que hoje não é incomum você, por exemplo, adentrar em uma rede social e ver páginas de irmãos destas igrejas, cujas publicações se resumem a falar mal de outros pastores. Não que eu defenda que não exista muito líder hoje pisando feio na bola, quando não incorrendo em banditismo. O problema é quando isso vira uma espécie de “prazer que espuma” na alma destes irmãos feridos que me refiro. É como se esses irmãos dessem “pulinhos de alegria”, quando veem líderes de outras igrejas nas páginas policiais ou praticando heresias absurdas. Aí, algo está realmente muito adoecido. Outros dos irmãos ressentidos, a que me refiro, uma vez que interiorizaram a ideia de que perderam muito tempo de suas vidas, “só dentro de igrejas”, passam a agir de forma compulsiva e desnorteada. Assim, se o cara era daqueles que nunca namoravam, porque, segundo o pastor dele na juventude dizia, Deus já tinha a sua escolhida, o cara agora quer transar com todas. Muitas mulheres têm entrado neste mesmo movimento, estando extremamente machucadas e se desesperando, por verem a idade chegar e continuarem sozinhas ou só metidas com tipos que não querem nada a sério e apenas uma noite de sexo. Se o cara nunca havia colocado um copo de álcool na boca, porque aquilo era pecado, agora, ele faz questão de postar nas redes sociais, para todos verem agora, que cerveja e vinho são as melhores coisas da vida e que o “in” é se embriagar todos os dias e comer de tudo, pois amanhã estaremos todos mortos. E aí, vai. E a primeira coisa que vai é o equilíbrio e, infelizmente, muitas vezes, o bom-senso. E não podemos nos esquecer que tudo aquilo que o homem semear, isso também ceifará (Gálatas 6:7). É a famosa LEI DA SEMEADURA, que infelizmente em algumas igrejas, parece ser sinônimo de dar mais dinheiro ali, para ficar rico depois, em uma horrenda heresia de barganhar com Deus. Finalmente, vejo neste grupo de irmãos ressentidos aqueles que criam em suas fantasias, a ideia de um “PASSADO MÁGICO” do meio cristão. Como se tudo que ocorreu na década de sua adolescência, foi lindo e maravilhoso na igreja. Comum gente que fala no meio cristão: “Nunca mais vimos uma galera boa e simples como aquela do Geração 90” (evento que reuniu a mocidade cristã e de grande sucesso no período). “Nunca mais ouvimos músicas tão abençoadas como as da época dos Vencedores por Cristo” (um dos melhores grupos cristãos brasileiros de todos os tempos). O problema que eu vejo não é guardar boas memórias de um passado bacana, mas ficar fixado nele, o que muitas vezes tira a nossa atenção no que agora é o real: o HOJE. Assim, é muito mais fácil olhar para um passado imaginário do que enfrentar a vida complicada como ela está hoje (e sempre esteve e sempre estará, vale dizer). Daí, eu achar muito pertinente algo que li dias desses: DEPRESSÃO é excesso de PASSADO. ANSIEDADE é excesso de FUTURO. Em outras palavras, entendo perfeito o ensinamento do filósofo chinês Lao Tzu: “Se você está deprimido, você está vivendo no passado, se você está ansioso, você está vivendo no futuro; se você está em paz, você está vivendo no presente.” Que possamos estar tendo a coragem de enfrentar nossas “ervas daninhas” interiores, com atitude, e buscando em Deus, o refrigério necessário neste mundo conturbado e contraditório em que vivemos.

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