terça-feira, 25 de novembro de 2025

IRA

 O Imperativo da Ira

"Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar ao diabo" (Ef 4.26, 27).

O homem, como uma entidade caída, tornou-se uma fonte originadora, criador de males. Uma vez que nenhuma criatura tem existência própria, o Senhor empresta sua existência para que tudo o que foi criado possa existir. No entanto, quando há a desobediência, ocorre um descolamento da criatura humana do seu Criador. Isso provoca um deslocamento quanto às vontades e desejos. Embora Deus continue a manter a existência humana, esta não mais ocorre em consonância com sua santidade e perfeição, tornando-se a porta de entrada do pecado no mundo.

O pecado, que não foi criado pelo Senhor, tem sua origem no coração do homem como oposição à santa vontade de Deus, pela autoproclamada autonomia humana. Enquanto vivia a perfeição, Adão também experimentava a unidade de vontade e de propósitos com o Criador. Quando desobedeceu, tornou-se uma “ponta solta”, como uma linha quando se rompe e fica se agitando de um lado para outro. Desligado do Sumo Bem, passou a ser fonte do pecado no mundo.

Nessa modalidade de existência caída e desligada de Deus, os sentimentos humanos refletem unicamente o próprio homem. Desculpando a obviedade do fato, por não estar mais integrado à vontade de Deus, existindo em impiedade, o ser-humano só pode refletir a si mesmo. Todas as suas reações e sentimentos estão centrados unicamente em sua própria alma. Todo homem caído é uma existência desconecta, a mais pura solidão espiritual. O contato ou a proximidade física não preenchem a solidão da alma, algo que só ocorre no relacionamento com o único Deus verdadeiro. Enquanto estava unido ao Criador, o homem jamais teria sentimentos inadequados e destrutivos. Contudo, em seu estado caído, seus sentimentos se tornaram força desgovernada, não raro gerando destruição.

Deus é capaz de se irar, mas sem qualquer desgoverno ou descontrole. A ira de Deus age cirurgicamente contra aquilo que estritamente deve atingir, em plena justiça, inteiramente diferente das reações humanas. O homem deseja o mal mesmo no exercício de sua suposta justiça. Sua justiça pessoal é plena vingança, desejo que busca a destruição daquele que supostamente o atingiu. Mesmo o sistema judiciário está repleto de injustiças, corrupções, parcialidades, completo desinteresse pela verdadeira justiça. Desde que o ser-humano abandonou os princípios de justiça expressos na própria existência e passou a ele próprio determinar o que é justo ou não, assumiu o padrão e o critério de justiça, perdeu-se completamente qualquer esperança de que a verdadeira justiça realmente ocorra.

A Carta de Paulo aos Efésios é a epístola do Novo Testamento mais rica em eclesiologia (a doutrina que fala sobre a igreja) que temos. Ela ensina o crente a viver como igreja, recomendação muito especial para nossos dias, quando crentes ensimesmados preferem aderir a uma religião virtual, por meio de mídias eletrônicas, a comparecer à igreja para adorar verdadeiramente.

O ensinamento quanto a ira é muito importante, pois mostra que ela não é pecado, na verdade, uma necessidade. A ira é transformadora, é estimuladora e leva à ação. Ela é uma virtude a ser cultivada. O crente que não se ira certamente é alguém inerte e completamente passivo em situações que se espera dele uma atitude ou posicionamento. Isso se percebe já pelo imperativo que é usado pelo apóstolo aqui. Precisamos nos irar. Esse é a exortação apostólica! No entanto, é necessário compreendermos o que é essa ira. 

Sabemos que "a ira do homem não produz a justiça de Deus" (Tg 1.20). Essa ira "humana" é animal e demoníaca. É a ira que parte do coração do velho homem desligado de Deus, que tem a si mesmo como deus, que odeia qualquer manifestação contrária a si e a sua própria vontade. Revela a revolta contra a própria existência que insiste em desobedecer o governo do homem, ditado por suas vontades. É uma descarga de raiva descontrolada, que visa a destruição daquele que se coloca em seu caminho.

A ira se distingue do ódio ou da raiva (a ira humana) por aquilo que vemos no próprio verso. Quando Paulo diz: "não se ponha o sol sobre a vossa ira" implica dizer que ela tem que estar limitada ao dia em que aconteceu o atrito ou desentendimento. O sol se põe no final da tarde. Quando ele se deitar para seu descanso noturno, não pode mais haver no homem qualquer sentimento em relação ao episódio que produziu a ira. De igual forma, percebe-se que a ira santa se esvai, se auto esvazia, dando lugar à compaixão e à misericórdia. A ira humana, animal e demoníaca, é exatamente o contrário. Ela é permanente. Estabelece-se na alma e à corrói. Ao invés de diminuir, ela fermenta, especialmente devido ao pensamento fixo de retribuir o mal que foi feito, com muita generosidade. Ela sempre visa vingança, algo que devemos deixar nas mãos de Deus (Rm 12.19).

Isso não reflete a virtuosa ira, encontrada mesmo no ser de Deus. A ira de Deus, e mesmo sua vingança, são radicalmente diferentes das experiências humanas que levam esses nomes. A ira que é santa é aquela que se restringe a uma forte indignação, uma repulsa por algo que foi feito ou afirmado, que é contrário ao Senhor e à sua Palavra. Não podemos pensar na figura de Deus irado, "chutando o trono no céu" em um ataque de fúria. A ira não é perda de controle dos sentimentos e das atitudes. Ela é toda controlada e direcionada àquilo que é necessário ser feito. É o que Deus faz: simplesmente age contra as más ações dos homens, sem perder seu "humor". O antigo homem se identifica com o diabo, com a revolta contra Deus, com a centralidade humana. O novo homem refeito em nós na conversão, que tem como parâmetro o Cristo ressuscitado, identifica-se com Deus, aliado do bem e da justiça.

Dar vazão à ira humana (a raiva ou o ódio) é ser instrumento do diabo no meio da igreja para causar destruição, é dar tremendo mau-testemunho no mundo. Valer-se da ira santa é ser instrumento eficaz nas mãos de Deus para combater o mal, o pecado e a heresia. Aprendamos a agir como nosso Senhor Jesus Cristo, que se levantava contra aqueles que se opunham ao reino de Deus, no perfeito controle de suas palavras e atitudes. Vivamos o imperativo da verdadeira e santa ira. Tenha um abençoado dia na presença de Jesus

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