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sexta-feira, 25 de agosto de 2023

ROLEX

 Os que atacam outras religiões, classificando seus deuses como demônios geralmente se valem da passagem bíblica em que o apóstolo Paulo afirma que “as coisas que os gentios sacrificam, as sacrificam aos demônios, e não a Deus. E não quero que sejais participantes com os demônios” (1 Coríntios 10:20).


Ora, se Paulo chama os deuses do panteão romano de demônios, logo, concluem que têm o direito de referir-se a toda e qualquer divindade da mesma maneira, independentemente do contexto. Seria esta uma conclusão razoável? Seria respeitoso referir-se a Allah, Buda e entidades de cultos de matriz africana como “demônios”? Que diferença haveria entre estes e aqueles a quem os romanos cultuavam? 


Primeiro, precisamos entender o conceito grego de demônios. Na mitologia grega, a palavra "demônios" tinha um significado diferente do que costumamos atribuir hoje. Na Grécia Antiga, os "demônios" eram considerados intermediários entre os deuses e os humanos, frequentemente servindo como mensageiros ou portadores de informações (algo análogo aos anjos da tradição judaico-cristã). Eles não eram necessariamente bons ou maus, mas sim entidades que supostamente facilitariam a comunicação entre os mundos divino e humano. A ideia de "demônios" como entidades exclusivamente malignas ou diabólicas veio muito depois, em interpretações religiosas e culturais posteriores. Mas consideremos que Paulo tenha dado uma conotação negativa a tais entidades, bem como aos cultos a elas prestados, visto que, para ele, elas eram espíritos atravessadores que se ofereciam para fazer a ponte entre os humanos e o divino, assumindo assim um lugar preenchido exclusivamente por Cristo na fé cristã.


Mesmo assim, Paulo não se referiu aos deuses dispostos no areópago grego como demônios. Teria sido ele condescendente com a idolatria dos gregos? Ou simplesmente preferiu respeitar a religiosidade alheia? 


Para entendermos melhor o pensamento de Paulo, recorramos a outra passagem encontrada na mesma epístola: 


“Ora, no tocante às coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que todos temos ciência. A ciência incha, mas o amor edifica. Se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber. Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhececido dele. Quanto, pois, ao comer das coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que o ídolo nada é no mundo, e que não há outro Deus, senão um só. Pois, ainda que haja também alguns que se chamem deuses, quer no céu quer na terra (como há muitos deuses e muitos senhores), todavia para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual existem todas as coisas, e por ele nós também” (1 Coríntios 8:1-6).


Para Paulo, o ídolo em si não era nada. Apenas uma representação física, palpável, de uma entidade espiritual. Ele também reconhece que havia quem atribuísse divindade a si mesmo, tanto na dimensão espiritual, quanto na física (possivelmente se referia ao imperador romano). Porém, ele deixa claro que para os seguidores de Cristo só haveria um único Deus, o Pai, é um único Senhor e Mediador entre Ele e os humanos, Jesus.


A idolatria praticada pelos romanos envolvia sacrifícios humanos, entre outras práticas repulsivas, como a humilhação pública seguida de execução daqueles que se recusavam a reconhecer a divindade de César. Os cristãos primitivos sofreram na pele a dura perseguição por sua lealdade a Cristo. Portanto, o culto ao imperador e aos deuses daquele panteão era uma ferramenta de domínio. Não era possível servir a Cristo e submeter-se aos deuses dos que se valiam deles para dominar, oprimir e explorar. 


Os demônios sempre se escondem por trás dos ídolos usados para justificar a conquista, a supremacia de um povo sobre outros, a xenofobia, a escravização, a exploração econômica, etc. Eles podem se esconder até mesmo atrás de figuras santas, inclusive do próprio Cristo, para validar discursos e narrativas que fomentam o ódio e o preconceito. Por isso, o mesmo Paulo diz que “o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz. Não é muito, pois, que os seus ministros se transfigurem em ministros da justiça; o fim dos quais será conforme as suas obras” (2 Coríntios 11:14-15).


Os demônios sempre se acomodam nas engrenagens de estruturas iníquas responsáveis pelas desigualdades e pela busca desenfreada por lucro. A Grande Babilônia descrita em Apocalipse é o arquétipo de uma sociedade erigida sobre tais fundamentos. Ali se anuncia profeticamente a sua queda: “Caiu! Caiu a grande Babilônia! Ela se tornou habitação de demônios e antro de todo espírito imundo” (Apocalipse 18:2).


Nossa sociedade está infestada de demônios. Mas não os procure nos terreiros, nos quilombos, nas aldeias indígenas. Eles não são encontrados entre os oprimidos, mas entre os opressores. Procure-os nos palácios, nas sedes de grandes empresas, nos condomínios de alto padrão. Eles não estão nas expressões de fé que resistiram ao tempo e ao preconceito, mas na religiosidade frívola dos que se apropriam do discurso religioso (seja ele qual for) para garantir seus privilégios. Eles estão nas franquias religiosas com os seus fast-food da fé, desprovidos de nutrientes espirituais que fomentem uma consciência solidária e uma espiritualidade engajada na transformação das estruturas sociais. São verdadeiras castas demoníacas que se alimentam da ignorância, propagando falsas promessas e incitando o que há de pior da natureza humana. O diabo veste prada! Seus asseclas exibem seus relógios Rolex, suas joias e outros mimos sem nem ao menos se importar com aqueles dentre os fiéis que nem sequer têm com que pagar suas contas no final do mês. Como toda Grande Babilônia, esta também está destinada a cair. E seu tombo será épico, estrondoso e irreversível.

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