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sábado, 18 de abril de 2015
CONFISSÕES DE UM MENDIGO
Quando nasci, tive enxoval todo azul e o quarto decorado com figura dos heróis favoritos da época. Parecia um conto de fadas.
Toalhas, fraldas, lençóis e fronhas tinham monograma com iniciais do nome escolhido.
Após a gestação, acompanhada pelos melhores médicos, cheguei amparado e mimado pela família inteira. Mesmo inconsciente do tamanho da festa, fui crescendo, dominando o espaço, invadindo o território dos outros. Eu era o centro de tudo.
Ao perceber a importância que me davam, muito superior à necessária, comecei a fazer todo tipo de chantagem para ter mais, lucrar mais. Cada erro meu era motivo de briga na família, porque a maioria ficava do meu lado, inclusive, meus pais. Quem ousasse me criticar ou dar um conselho era riscado do mapa.
Na adolescência, com o vigor de um corpo jovem, saudável e bonito, abusei do excesso de mordomias. Não fiz por menos, queria tudo. Não me contentava com nada e a plateia batia palmas e se contorcia para fazer minhas vontades, cada vez mais extravagantes.
Bem jovem ainda comecei a beber nas festas da família e fui mergulhando no álcool, com o incentivo da turma de amigos. Em casa, nenhuma resistência, levavam tudo na brincadeira. Como eu não percebia o perigo, fui seguindo no mesmo ritmo. Fracassei nos estudos e perdi a vontade de estudar. Perdi o ano, saí da Escola e nem por isto recebi qualquer tipo de orientação, nenhuma advertência, nada. Todos tinham medo de me aborrecer.
A idade foi aumentando, as forças diminuindo e não conseguia emprego. As doses de bebida foram se multiplicando. Comecei a beber durante o dia e, quando não me davam dinheiro suficiente, furtava de qualquer pessoa dentro de casa: aí sim, fui aborrecendo um por um. Perdi o direito de viver com minha família e, numa das voltas, embriagado, sujo, encontrei a porta fechada. Dormi na rua a primeira noite e não me atrevi a tentar novamente entrar em minha casa, continuei na rua.
Hoje, não me sinto com forças para reagir. Sou a pessoa mais fraca do mundo, mais sozinha, mais triste. Vivo procurando pães velhos e migalhas de comida na porta de bares e restaurantes. Não sei por onde andam meus pais. Com vergonha de mim, mudaram-se da cidade. Talvez encontre algum parente, mas eles fingem que não me vivem, com vergonha. Ninguém chega perto de mim para estender a mão, porque seria muito trabalhoso cuidar de uma criança que se perdeu na cortina social e no filó azul da educação mal orientada.
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