ISTO NÃO AFETA

”Vós que passais pelo caminho, não vos comoveis? Olhai e vede se há sofrimento maior do que o que eu estou passando, com que o Senhor me afligiu, no dia do furor da sua ira.” (Lamentações de Jeremias 1.12). O jornal New York Times de 04.08.2015 publicou, em sua coluna de opinião do leitor, um texto com o título ”No Zimbábue não choramos por leões”. Escrito por Goodwell Nzou, zimbabuano, estudante de doutorado da Universidade Wake Forest, Carolina do Norte, o texto critica o repentino interesse do público por um leão chamado Cecil, morto por um caçador amador americano no Zimbábue, e sua indiferença, e mesmo alienação, para com o que acontece com as populações humanas da África. Citamos aqui uma de suas considerações finais: “Nós, zimbabuanos, estamos meneando a cabeça, espantando-nos com o fato de que os americanos se preocupam mais com os animais africanos do que com os seres humanos africanos.” Nos dias atuais a nossa hierarquia de valores está muito bagunçada, a impressão que se tem é que para muita gente o ser humano perdeu sua posição de primeiro da lista. As fomes, as secas, as chacinas, os crimes de ódio, as guerras e as balas perdidas tornaram-se tão banais e tão midiáticas, que ninguém se impressiona por vê-las ou ler a seu respeito. As cenas brutais não nos afetam mais. Nosso olhar sobre essas coisas tornou-se anestesiado. Pior ainda, uma boa parte de nós é capaz de indignar-se muito mais com a imagem de um cão sendo espancado do que pela de um ser humano sendo linchado em praça pública. Aliás, há muitos aplaudindo o linchamento! A destruição de Jerusalém e da nação judaica é o tema desse grande poema bíblico: as Lamentações de Jeremias. O poeta, horrorizado com o que presenciou, se incomodava com a insensibilidade de outros. Por isso pergunta: “Não vos comoveis?” Nas cenas finais do livro de Jeremias, vemos um povo, que apesar de estar sendo punido de maneira tão devastadora, ainda assim continua praticando os mesmos pecados pelos quais foi punido (Jr. 44.1-30). E vemos um bando de nacionalistas fanáticos chacinando o restante do povo que ficara em Judá (Jr. 40.1-41.18). Toda aquela desgraça não havia afetado essas pessoas, que continuavam procedendo do mesmo modo, como se nada tivesse acontecido. A pergunta é também para nós. Perdemos a sensibilidade? Perdemos a capacidade de nos enternecermos? Perdemos a oportunidade de aprender com o sofrimento, nosso e alheio? Não nos afeta mais a prática do mal, que às vezes acontece na nossa porta? O ser humano perdeu seu valor? Somos pautados por ideologias fundamentalistas? Por postagens nas redes sociais? Estamos nos tornando adeptos do ódio coletivo? Perdemos o senso crítico e aceitamos afirmações falsas ou não comprovadas como verdade? O que nos afeta?